18/04/2010

Desatino



Assinou o bilhete
e o deixou sobre a mesa.
Livrou-se dos sapatos
e escancarou a janela
por onde entrou tanto ar...
Que desperdício!

Estabanado, sem jeito,
subiu ao parapeito.
Sem qualquer interesse,
seu olhar sobrevoou a cidade.
Abriu os braços
e, a um passo
do vazio da eternidade,
sem perceber,
respirou fundo uma última vez,
antes de sucumbir à lei da gravidade, -
passaporte para a liberdade
da eterna prisão...

Na calçada...
a tinta e o carimbo.
O corpo frio, gelado, -
curiosos para todo lado -,
pálpebras cerradas,
sobre o olhar vítreo.

- Coitado!...
- Foi empurrado?
- Matou-se?
- Mas por quê?
- Matou-se para ser lembrado?...

Janela aberta,
o bilhete encontrou-se com a força
dos ventos.
Voaram também
os seus últimos pensamentos,
e pousaram
nas poluídas águas do rio.
E o bilhete navegou,
navegou, navegou...
Até encalhar desbotado,
esfacelado,
tal qual, na calçada,
o cérebro que o pensou.

Desaparecidas as palavras,
morto o homem.

ju rigoni (1988)


Visite também Fundo de Mim II e Dormentes.

Um comentário:

Ahab disse...

Aquele que desperdiçou uma vida por próposito nenhum tem seus pensamentos jogados ao vento sem propósito algum também.

Viveu uma existência sem sentido e morreu no esquecimento.

Direto do Rio.
Beijos.