03/09/2006

O Cúmulo do Desconforto


Foto Bernardo Castanho


Sou das pessoas mais desatentas deste mundo. Trata-se, eu não tenho dúvidas, de uma patologia. Durante as crises mais sérias - geralmente quando estou envolvida na realização de um trabalho muito complicado - sou muito capaz de guardar sapatos na geladeira, escrever um mail para um amigo e enviá-lo a outro, encontrar um amigo na rua e chamá-lo pelo nome de outro, jurar que quarta-feira é domingo, trocar todas as senhas que utilizo para acessar minhas páginas virtuais, (e ficar vários dias fora da net por conta do esquecimento quando seria necessário apenas trocar a senha) e coisas tais... Para se ter uma idéia da extensão dessa "coisa", certa ocasião fui ao aeroporto receber um amigo que estava voltando do exterior dois dias antes da data marcada para sua chegada.

Junte à minha desatenção patológica o fato de que a idade vai-me deixando meio cegueta... E aí... danou-se! Já perdi a conta de quantas vezes fui chamada de arrogante, metida, pedante, indiferente, porque alguém que conheço passou por ou sorriu para mim na rua e eu não devolvi o cumprimento. Até explicar que focinho de porco não é tomada... Acho que este é um motivo muito bom para justificar o fato de que as pessoas que passam pela minha vida ou me amam ou me odeiam. Não existe meio termo.

Bem, o fato é que sempre pensei que não pudesse existir alguém mais desatento do que eu. Mas um dia descobri que estava errada.

Nos anos 90 eu e um amigo estávamos levantando dados para uma matéria sobre alguém que era considerado um dos maiores ladrões do mundo. Fomos convidados a ir até sua casa, onde passamos momentos muito diferentes em que presenciamos o indivíduo fotografando ao lado de turistas, assistimos todos os filmes relativos ao evento, - enfim toda uma tarde dedicada à investigação jornalística.

Na hora de ir embora, levantamo-nos do sofá para nos despedir. Logo que se pôs de pé meu amigo deu dois tapinhas em seu próprio derriére, - uma mania que ele tinha não sei o porquê.

- Ai, meu Deus!
- Que foi, Zé?
E o anfitrião olhando espantado para nós...
- Minha carteira... Não está em meu bolso.
Olhei para o meu amigo com cara de quem estava prestes a lhe comer o fígado.
- Zéééééé!...
- Que foi, ju? Que cara é essa? Minha carteira sumiu! Cadê minha carteira? - continuava ele olhando ao redor e batendo com as mãos nos bolsos traseiros do seu jeans, completamente indiferente ao fato de estar sendo recebido (e muito bem recebido) em casa de alguém que era tido como um dos maiores ladrões do mundo.

- Zééééé!... - Eu só conseguia dizer isto.

Era uma das situações mais esdrúxulas na qual eu já havia me metido. O dono da casa ali, olhando para nós, o meu amigo escarafunchando a sala em busca da carteira desaparecida, e eu com a maior cara-de-tacho...

Esse desconforto levou cerca de cinco minutos - que a mim pareceram uma eternidade.

O anfitrião e sua mulher ainda vasculhavam a sala quando meu amigo finalmente encontrou sua carteira... Aonde? No vão entre o assento e o braço do sofá onde antes estavávamos acomodados.

Tudo aconteceu sem que meu amigo se desse conta um único minutinho de onde ele estava. Nunca senti tanto desconforto ao me despedir de uma pessoa. Quando saí nem sabia mais andar direito de tão sem-graça... Cheguei mesmo a tropeçar num dos degraus da escada que dava acesso à rua e quase despenco de lá. Assim que nos afastamos da casa enchi meu amigo de tapas e fiz ele jurar de pés juntos que iria se esforçar para resolver aquilo que mais parecia ser muito mais do que simplesmente um distúrbio de atenção.

Ele, é claro!, não queria admitir, e dizia que eu estava fazendo tempestade em copo dágua, mas como eu o conheço muito bem, estava certa de que, no fundo ele reconhecia o "mico" e estava morrendo de constrangimento...

ju rigoni

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